terça-feira, 15 de janeiro de 2013

OS HOLANDESES NO BRASIL






OS HOLANDESES NO BRASIL

 Ficheiro:Meirelles-guararapes.jpg

O texto a seguir apresenta uma introdução aos aspectos históricos relativos a um período específico da história do Brasil no qual, parte da região nordeste brasileiro esteve sob dominação holandesa, onde se fez necessária a emissão de moeda corrente, que se tornou a primeira emissão de dinheiro em território brasileiro. Ao mesmo tempo, o texto sugere um complemento às grandes obras já editadas por: Dr.Gastão N.T.T. Dessart, Lupércio Gonçalves Ferreira, Kurt Prober e José Antonio Gonsalves de Mello e outros, sem a pretensão de contradizê-los, ou mesmo, criticar estudos de grande profundidade científica, elaborados por fontes fidedignas baseadas em arquivos da época. Esse texto também pretende apresentar duas moedas no valor de XII florins de 1645, cunhadas com o mesmo cunho “aparentemente inédito” e outra, no valor de III florins, também com cunho “inédito” citados nas antigas obras, mas que sua confirmação somente foi possível após o “achado” do galeão “UTRECHT” em 1981. 
 
UMA SÍNTESE HISTÓRICA
A curta passagem dos holandeses pelo Brasil foi marcada por um grande avanço não só do comércio ultramarino, mas também nas área da cultura, ciência e tecnologia. Foi também um período tumultuado nas questões políticas e sociais, de 1624 a 1654. Por três oportunidades, os holandeses procuraram firmar sua presença no Brasil. Duas tentativas na Bahia, nos anos de 1624 e 1638 e uma transitoriamente bem sucedida em Pernambuco, em 1630. Essas localidades foram os principais marcos definidos pela estratégia militar holandesa que se utilizou de uma empresa, com o privilégio de comercializar na América e África à semelhança do que já ocorria no Oriente. Essa empresa denominada Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais (Geoctroyeerde West-Indische Compangnie) objetivou uma ocupação de parte da maior colônia luso-espanhola das Américas. Com o privilégio de exploração por 24 anos, logo reuniram-se recursos, cuja cifra se aproximou de  sete milhões de guilders, dos quais 2.846.582 guilders vieram de investidores que viviam em Amsterdam.
Ficheiro:NetherlandsEmpire.pngA idéia dessa iniciativa ocorreu por meio de reuniões do Conselho dos XIX - dessa Companhia, e que provavelmente fez parte de um plano maior apresentado aos Estados Gerais da União dos Países Paixos  visto que, após a incorporação de Portugal à Coroa de Castela em 1580, os holandeses sentiram-se prejudicados e ameaçados - uma vez que cidades como Lisboa, Porto e Viena suspenderam seu comércio de produtos exóticos, madeira, tabaco e açúcar, passaram, então, a atacar os domínios da coroa espanhola, na África e no Novo Mundo, priorizando o contato direto com fontes produtoras na América. A intensão inicial da W.I.C não priorizava a exploração das plantações de açúcar no Brazil. A Companhia das Índias Ocidentais preparou uma esquadra de 26 navios com 1600 marinheiros e 1700 soldados  que, sob o comando do almirante Jacob Willekens dirige-se ao Brasil e, em 9 de Maio de 1624, invade a Bahia. No porto, encontravam-se 15 navios portugueses, dos quais 7 são destruídos e 8 apoderados pelos holandeses. O governador Diogo Mendonça Furtado é levado à Holanda, assumindo o governo local, o Coronel Johan van Dorth, assassinado em uma emboscada em 17 de junho de 1624. 
Confiantes de que tal operação havia firmado seu domínio no Brasil, em São Salvador na Bahia, a esquadra partiu. No fim de Julho de 1624 o almirante Jacob Willekens retorna à Holanda. Em 5 de agosto de 1624 , o vice-almirante Pieter Pieterszoon Heyn ou Piet Heyn se dirige para Angola com os navios Neptunus, Hollandia, Gelderlandt, os yachts Zeejaegher em Meremin e os barcos a vela Haes e Cleyn Neptunus.
Ficheiro:Dutch-Brasil Olinda map English.pngDe Angola Piet Heyn parte em Fevereiro de 1625 para retornar ao Brasil. Em 3 de Março de 1625 o conselho dos oficiais navais havia decidido retornar à província do Espírito Santo, com intuito de verificar a possibilidade de alguns navios se apossarem  do local . Em 13 de Março de 1625, Piet Hey desembarca com 250 homens, porém, é vigorosamente repelido pela população local e pelas tropas de Salvador Corrêa de Sá e Benevides, com 250 homens brancos e índios em quatro canoas e uma caravela que seu pai Martim de Sá, governador do Rio de janeiro, mandara em seu auxílio. Derrotado, o imediato do almirante Jacob Willekens, que atacara a Bahia, foi enviado para o Caribe  para atacar  vários pontos da costa americana, mais precisamente o México (Nova Hispania). Em 1628 Piet Heyn estava liderando uma frota de 20 grandes navios e 11 yachts. Em Setembro, sua frota havia tomado cerca de 15 navios mercantes espanhóis em Matanzas Bay, apossando-se  da prata que ia do México para Espanha, como valor em torno de 13 a 14 milhões de guilders, dos quais cerca de 7 milhões de guilders em prata. Esse montante foi fundamental para preparar a expedição que objetivava o retorno ao Brasil com a conquista de Pernambuco.
Ficheiro:33475.jpgAinda, na Bahia, organiza-se uma resistência que poria fim ao domínio holandês na região, pelo período de aproximadamente 1 ano. Outras tentativas como a de Pieter Pieterszoon Heyen  de 1627 que saqueou o Recôncavo baiano se seguiram, o que estimulou a W.I.C. em promover novos ataques contra o  Brasil, porém achava-se sem fundos, e dessa forma não se arriscaria a outra grande expedição, com tropas de desembarque se não houvesse um reforço financeiro, que só ocorreu graças a uma vitória naval, promovida pela frota de Piet Heyn, contra D. Juan Benevides, que tomou vários galeões e cujo montante se aproximava de nove milhões de ducados. As riquezas naturais da Capitania de Pernambuco (Zuikerland - Terra do açúcar) no início do séc. XVII já eram bastante conhecidas pelas grandes potências da época. Os Países Baixos necessitavam do açúcar que era produzido no Brasil para suas refinarias, cuja produção de 121 engenhos de açúcar, em Pernambuco, despertou o interesse dos diretores da Companhia que, com o apoio da Inglaterra e França, rancorosos inimigos da Espanha mandaram armar uma extraordinária esquadra de 67 navios e 7.280 homens dos quais 2.325 eram soldados e 2515 marinheiros, sob comando do almirante Hendrick Corneliszoon Lonck.
A 15 de fevereiro de 1630, inicia-se a operação comandada pelo almirante Hendrick Corneliszoon Lonck e sob seu comando está o almirante da frota  Pieter Adriaensz. Ita, o vice-almirante Joost banckert e comandando as tropas o coronel Diederick van Waerdenburch que apresentam-se nas costas de Pernambuco. Objetivando atacar a cidade de Olinda - a mais importante cidade da região, naquela época, a esquadra de 16 navios, sob o comando de Waerdenburch, desembarca em Pau Amarelo, com um contingente de 2948 soldados e 300 marinheiros de apoio. Olinda é conquistada sem opor resistência. Os pernambucanos se organizam e remetem sucessivos ataques de guerrilhas aos invasores, impedindo-os de prosseguir com sua dominação ao interior. Nesse ínterim, os holandeses conseguem construir um forte na extremidade da ilha de Itamaracá e o guarnecem com 360 homens sob o comando do capitão polonês conhecido  como Arciszewski (1592-1656). Em Abril de 1631, inicia-se uma operação sob o comando do almirante Adriaen Jansz. Pater a frota  com 15 navios e 3 big sloops e 7 barcos e 1260 soldados comandados pelo  tenente-coronel Hartman Godefrid van Steyn Callenfels, porém, supondo que as forças portuguesas que haviam derrotado uma esquadra-reforço enviada pela Companhia fossem muito numerosas, incendeiam Olinda e pensam em abandonar Pernambuco.
Em 1632, porém, com auxílio do mameluco Domingos Fernandes Calabar, rompem o cerco formado pelos portugueses e, em sucessivas vitórias, dilatam o domínio holandês em solo brasileiro. Finalmente, em 1633 a ilha de Itamaracá  é conquistada  por Sigismund von Schkopp. Em janeiro de 1637, o governo holandês julga seu domínio firmado e escolhe um local onde fundam Recife como sede de seus domínios no Brasil, por ter, nessa localidade, a segurança que não dispunham em Olinda. A Recife holandesa possuía rios e canais muito similares aos que os holandeses estavam acostumados em sua pátria. Olinda situa-se e região montanhosa, muito semelhante as cidades portuguesas. O Conselho dos XIX da Companhia das Índias Ocidentais enviam, então, um príncipe da família reinante, o conde João Maurício de Nassau-Siegen, para ocupar a função de governador-geral do Brasil Holandês. 
O BRASIL NASSOVIANOhttp://international.loc.gov/service/hisp/brfbnth/1024869p3.gifImagem
O conde Maurício de Nassau aportou em Pernambuco, em 23 de janeiro de 1637 e trouxe em sua comitiva, não um exército, mas uma verdadeira missão artística e científica, o que até hoje desperta a aten ção dos estudiosos desse período. Ao chegar ao Brasil, o conde Maurício de Nassau-Siegen procurou imediatamente estabelecer a segurança da colônia holandesa, reunindo um exército capaz de afastar as tropas luso-brasileiras para o outro lado do Rio São Francisco, na Bahia. Maurício de Nassau estabeleceu na margem esquerda do Rio São Francisco o limite sul da conquista, o Forte Maurício na  Vila do Penedo.
O conde de Nassau-Siegen estava pronto para se dedicar à tarefa de restabelecimento econômico da colônia, restaurando a indústria açucareira que, com o abandono dos engenhos pelos antigos proprietários luso-brasileiros e dos estragos causados pelas seguidas guerras, encontravam-se em ruínas. Em 1640, Portugal reconquista sua independência, com a expulsão dos Felipes da Espanha e a assunção ao trono do nobre João de Bragança, dessa forma D. João IV, procura desde cedo, retomar as relações de amizade com todas as potências inimigas da monarquia espanhola.
Em 12 de junho de 1641, Portugal celebra com a Holanda um Tratado de Aliança Defensiva e Ofensiva, porém, o Tratado não tem efeito nas colônias portuguesas, em poder dos holandeses,pois o governo holandês no Brasil recebe a notícia somente em 3 de Julho de 1642. Nesse ínterim, aproveitando-se das circunstâncias, o conde Maurício de Nassau-Siegen amplia os domínios de seu governo e ocupa Sergipe, Ceará e Maranhão, contudo pouco depois, em 28 de fevereiro de 1644, os holandeses são expulsos do Maranhão e concentram suas atenções em Pernambuco. Durante a administração do conde Maurício de Nassau-Siegen, o progresso vigorou de forma impressionante. http://international.loc.gov/service/hisp/brfbnth/374058.gif http://international.loc.gov/service/hisp/brfbnth/1024869p25a.gif
As fronteiras foram finalmente estabelecidas do Maranhão à foz do Rio São Francisco. A cidade do Recife passou por inúmeros melhoramentos urbanísticos, como a instalação de duas pontes de grandes dimensões - a primeira ligando Recife à ilha Antônio Vaz e a outra da ilha Antônio Vaz ao continente. Supostamente essas foram as primeiras pontes construídas no Brasil.
Nesse período, Nassau construiu o palácio de Friburgo e a Casa da Boa Vista - um Horto Zoobotânico. Instalou o primeiro Observatório Astronômico das Américas e diversas outras obras de infra-estrutura, como nunca havia se visto na região. 
 
A 22 de maio de 1644, o conde Maurício de Nassau retorna à Europa, após sete anos de governo, por pressão da Companhia das Índias Ocidentais, que desejava imprimir à colônia rumos distintos a seus desejos. Nassau era um mecenas e desejava formar do Brasil holandês, uma nação próspera e forte, governando com justiça e sabedoria. Procurou expandir o comércio, as artes, a indústria e as profissões liberais; incentivou a lavoura e a pecuária. Porém, seu programa de governo, ocasionaria despesas e reduziria os recursos imediatos da Companhia e, por isso, foi desprestigiado .
A finalidade da Companhia era retirar o máximo proveito financeiro da colônia, pouco importando o progresso ou o futuro da mesma, arrancando-lhe tudo o que podia. Após a retirada de Nassau, a W.I.C. passou a extorquir os moradores locais e portugueses. Os colonos, então, procuram salvar suas economias enterrando-as no interior das florestas, o que provocou, cada vez mais, a falta de dinheiro em circulação. Para minimizar essa situação caótica, a Companhia enviou para Pernambuco 27.000 florins em moedas de um soldo, dois soldos e xelins; porém, a situação tornara-se irreversível.
Em 13 de junho de 1645, se inicia a Insurreição Pernambucana e, com ela, avolumou-se cada vez mais a crise monetária, tornando-a prontamente angustiante. O momento era de entressafra do açúcar e não havia dinheiro suficiente nem para pagar as tropas que eram compostas de mercenários de todas as nacionalidades e que estavam à mercê dos ataques das tropas luso-brasileiras. Nesse ínterim, foi declarada a guerra entre Holanda e a Inglaterra (1652-1654). Esse fato favoreceu o Insurreição Pernambucana, visto que a Holanda ficava impossibilitada de socorrer sua colônia no Brasil. Aliás, o Conselho dos XIX da G.W.C. dificilmente enviava recursos à colônia e não seria nesse momento que haveria de fazê-lo.
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Para a Metrópole, os navios da Companhia da Índias Ocidentais também transportavam ouro, proveniente da África, mais precisamente da Guiné e, como se tratava de mercadoria valiosa, todas as precauções eram tomadas para se evitar ataques de pirataria ou naufrágios em alto mar. Os navios, que vinham da costa africana, faziam escala em Recife, onde coletavam correspondências, abasteciam e carregavam o navio de açúcar e pau-brasil e, quando conveniente, depositavam, com segurança, caixas de ouro em pepitas ou em barras, até o momento em que partindo um comboio de navios para a Europa, pudessem ser transportadas com segurança para os cofres da Companhia, na Holanda.
A Casa Invisível: Fragmentos sobre a arquitetura popular no Brasil / João DinizA primeira vez em que se faz referência à idéia de se cunhar moeda no Brasil pelos holandeses, está em relação às necessidades militares e às dificuldades da tesouraria da Companhia das Índias Ocidentais. Lutando com a falta de numerário, o Alto e Secreto Conselho começou a vender e hipotecar as mercadorias que tinham em depósito. Em ata de 21 de julho de 1645, o órgão supremo da administração local da colônia brasileira descreve que já havia disponibilizado a venda de aproximadamente 741 kg de ouro, retirados da última remessa vinda da Guiné e, com a crítica situação em que se encontravam, pela escassez de numerário face à necessidade de dispor de dinheiro para o pagamento da milícia, serviços e víveres, resolve mandar cunhar moedas de ouro de 12, 6 e 3 florins, tendo de um lado a marca da companhia e do outro a data, dando-lhes um aumento de 20% no valor do ouro, a fim de que as mesmas não saíssem do país e pudessem ser recolhidas no futuro.
A decisão de se cunhar moedas só foi tomada pelo Alto e Secreto Conselho na sessão de 18 de agosto de 1645. O Conselheiro Supremo da W.I.C. , Pieter Jansen Bas, foi o encarregado da produção das moedas brasileiras, mediante concessão formal e isento de qualquer acusação futura. A cunhagem das moedas obsidionais começou imediatamente, e a 14 de setembro de 1645 foram remetidos exemplares de cada um dos valores ao Conselho dos XIX, na Holanda. Finalmente, a 10 de outubro de 1645, Pieter  Bas ordenou o início da cunhagem dos ducados brasileiros para circulação local.
AS EMISSÕES DE 1645 E 1646
Em meados de julho de 1645, o navio Zeeland, recém chegado da Guiné, transportava 360 marcos ou cerca de 309 quilogramas de pepitas de ouro. A Companhia das Índias Ocidentais, que passava por uma situação de desespero, pois encontrava-se sitiada e constantemente atacada pelos luso-brasileiros, resolveu retirar aproximadamente 90 quilogramas, sem a autorização de seus superiores na Holanda, para comercialização imediata ou transformação do metal em moeda, com aumento de 20% do valor para posterior recompra e suprir, dessa forma suas necessidades básicas como alimentação e pagamento dos soldos dos mercenários contratados para sua proteção.
As moedas foram cunhadas nos valores de III, VI e XII florins com as iniciais da Companhia e valor (dentro de um colar de pérolas) no anverso e a palavra ANNO/BRASIL e data (dentro de um colar de pérolas) no reverso. Legalmente, um Marco de ouro (247,047 g.) de título 916 2/3, deveria fornecer na cunhagem, 32 moedas de XII Florins ( com peso de 7,72 g. ou 5 engels) e, para as de VI e III Florins, 64 e 128 moedas respectivamente, com peso proporcional. C. Scholten, em trabalho intitulado “The Coins of the Dutch Overseas Territories”, indica como peso legal, 7.690, 3.845 e 1.920 g., respectivamente,  tomando por base o Marco de Amsterdam, que tinha 246,084 g.
Os holandeses comercializavam o ouro da Guiné a 37 Florins por Onça, ou seja, 296 Florins por Marco. Cunhando as moedas, apuravam um valor muito maior, já que as moedas entraram em circulação com um valor superior a 20%. Infelizmente, para a G.W.C., o ano de 1646 não foi diferente. Na realidade, o que se seguiu foi a maior crise que a Companhia sofreu durante toda a ocupação em terras brasileiras. A situação econômica e social agravou-se a tal ponto, que não se avistavam animais de nenhuma espécie para saciar a fome da população. Cavalos, aves, cães, gatos e ratos chegaram ao limiar de sua extinção na região.
A exigüidade de moeda obrigou os holandeses a repetir a operação de retirada de ouro dos navios que vinham da África com destino à Europa. Em agosto de 1646, retiraram 405 marcos de ouro, dos quais 50 foram vendidos a peso e 355 foram entregues ao Conselheiro Pieter Jansen Bas, para a cunhagem de novas moedas obsidionais. Utilizando-se do mesmo regimento, a “Instrução” de 10 de outubro de 1645, Bas convocou os mesmos ourives que realizaram o trabalho de cunhagem das moedas, no ano 1645. Em 27 de agosto de 1646, deu-se o início às atividades de cunhagem; porém, com grande dificuldade, face à péssima qualidade e capacidade dos cadinhos para fundição do ouro e dos equipamentos empregados.
Durante a cunhagem de 1646, pela documentação oficial existente, foram abertos 16 novos cunhos, mas se verifica que pela perolagem das moedas conhecidas, como autênticas, foram utilizados 18 cunhos. Devemos considerar que nesse período foram usados cunhos de 1645, devidamente restaurados. No entanto, há de se considerar que somente os cunhos de anverso, por não apresentarem a data da moeda, puderam ser restaurados e reaproveitados.

O “ACHADO” DO NAVIO UTRECHT
A permanência holandesa no Brasil, a cada dia se tornava mais insustentável, a ponto das tropas remanescentes da Companhia das Índias Ocidentais praticarem pirataria aos navios que passavam nas costas do nordeste brasileiro. Estavam sitiados, e a condição de penúria se agravava. Do livro "História das lutas com os holandeses no Brasil", o autor Francisco Adolfo Varnhagen descreve a situação vivida pelos holandeses nessa época:
"Depois da derrota que levara nos Guararapes, o intruso holandês nada ousava empreender por terra. Apenas em maio, havia feito reconhecimento do forte Altená, e depois do outro lado da barreta, para conseguir algum prisioneiro do qual pudesse ter notícia do que se passava no acampamento contrário. Pôr mar porém os seus brios se redobravam, agredindo quanto podia, e isso apesar da falta de inteligência entre os membros do Conselho e o vice-almirante Witte Cornelis de With. Com uma esquadra de nove barcos de guerra, além de vários de menor tamanho, o vice-almirante, a partir do mês de maio em diante conseguiu capturar muitas presas. Em princípios de dezembro de 1648, Witte de With foi encontrar-se com alguns navios, pertencentes à esquadra do conde de Castel-Melor, e conseguiu tomar um barco inglês guarnecido por vinte e nove canhões, além de outro menor, e uma galeota identificada por São Bartholomeu. Uma fragata portuguêsa, chamada Nossa Senhora do Rosário, sustentou contra duas inimigas, o galeão Utrecht comandado pelo capitão Jacob Pouwelz Cort e o galeão Gissiling um violento combate, e quando essas julgavam por vencidas a atacara, dando-lhe a abordagem, foram todas as três a pique, em virtude da explosão provocada no paiol do Nossa Senhora do Rosário pelo capitão português, que preferiu ir ao fundo com seus inimigos, a deixar-se aprisionar pelos mesmos"
Outras referências informam que o yacht Gijsselingh não se envolveu na batalha de Todos os Santos, ocorrida em 28 de setembro de 1648.
O navio Utrecht afundou na entrada Bahia de Todos os Santos, na altura da Barra do Porte e da Barra Grande, próximo à Ilha de Itaparica, e foi "achado" em 1981, conforme relato publicado pelo grande estudioso numismata, Sr. Kurt Prober, no boletim da Sociedade Numismática Brasileira de outubro de 1983. A quantidade de moedas obsidionais achadas no galeão Utrecht não são precisas, uma vez que na divisão oficial, que a moda do Quinto Colonial é de 20% para o governo e 80% para os "descobridores", o Museu da Marinha Brasileira recebeu duas moedas, uma moeda de III Florins de 1645 e outra de III Florins de 1646, o que poderia se supor que foram encontradas 10 moedas, porém, o que se observou, através de leilões especializados, é que a história é bem diferente, uma vez que essa quantidade já foi superada. De qualquer forma, não há como contestar o alto grau de raridade que essas moedas possuem, pois diante dos fatos apresentados, até então, acredita-se que o número total de moedas existentes, nos três valores, não ultrapassa a marca de cem unidades.
AS CARACTERÍSTICAS DAS MOEDAS OBSIDIONAIS
A cunhagem das moedas obsidionais brasileiras foram realizadas com as seguintes características:

=> A abertura dos cunhos e a respectiva cunhagem ficou sob a responsabilidade de Joan Hendrich Bruynsvelt.;

=> Foram definidos os valores de XII, VI e III florins;

=> Forma retangular - era comum o uso de discos retangulares nas moedas obsidionais emitidos pelos Países baixos;

=> Peso: XII florins ( 7,72 a 7,57 g ), VI Florins ( 3,86 a 3,79 g ) e III Florins ( 1,93 a 1,90 g );

=> Data de 1645 e 1646;

=> O título das moedas é em média 918 milésimos, com possível liga de prata e cobre;

=> Os retângulos do metal foram obtidos por cortes de tesoura sem muitos cuidados, por esse motivo seus lados não são paralelos e alguns têm os cantos arredondados ou limados, provavelmente realizados para ajustar o peso dos discos (os holandeses não possuíam cilindros laminadores e nem tão pouco equipamentos adequados para uma cunhagem perfeita;

=> A aplicação dos cunhos foi feita a martelo (apesar de que desde 1547 os italianos já haviam inventado as prensas de parafuso, já usadas na Europa). Alguns exemplares não são perfeitamente nítidos, havendo com freqüência o deslocamento dos cunhos;

=> As dimensões são bem variadas para peças de mesmo valor, o mesmo é verificado quanto à espessura, uma vez que o mais importante era o peso real e não o tamanho ou espessura.
AS CARACTERÍSTICAS DOS CUNHOS DE 1645 E 1646
ANVERSO: Um círculo de pérolas, tendo ao centro um grande "W" entrelaçado com um "G" e um "C" (de dimensões menores). Sobre esse monograma que representa as iniciais da GEOCTROYEERDE WEST-INDISCHE COMPAGNIE (Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais) tem o respectivo valor expresso em algarismos romanos.
REVERSO: Um círculo de pérolas, tendo ao centro as palavras ANNO / BRASIL, em duas linhas paralelas e abaixo a data 1645 ou 1646.
SOBRE AS CUNHAGENS “INÉDITAS”
Após a conclusão dos trabalhos publicados, até então, não havia notícias de moedas cunhadas com alguns dos cunhos descritos pela tabela do Dr. Gastão Dessart, o que veio ocorrer justamente com as três peças que “apareceram” no mercado internacional em 1997, portanto após o ”achado” do galeão UTRECHT, as quais descrevo a seguir:
1. III Florins de 1645
A/ G.W.C – III, sem pontos ou marcas de cunho
Colar de 50 pérolas com 12,7 mm de diâmetro
R/ ANNO/BRASIL  com losângo / 1645
Colar de 54 pérolas com 12,8  mm de diâmetro
Dimensões: 13 X 13,5 mm
Espessura:1 mm
Peso: 1,80 g
Identificação pela tabela do Dr. Gastão Dessart:   1º Cunho de Anverso   e 2º Cunho de Reverso

      Anverso                 Reverso
2. XII Florins de 1645
A/ G.W.C – XII, com ponto abaixo da letra G e encostado na 1ª perna da letra W
Colar de 74 pérolas com 17 mm de diâmetro
R/ ANNO /BRASIL com losângo / 1645 e ponto acima da palavra ANNO
Colar de 53 pérolas com17 mm de diâmetro
Dimensões: 18,8 X 18,5 mm
Espessura: 1,9 mm
Peso:7,54 g
Identificação pela tabela do Dr. Gastão Dessart: 2º Cunho de Anverso e 1º Cunho de Reverso
3. XII Florins de 1645 (similar a anterior) A/ G.W.C – XII, com ponto abaixo da letra G e encostado na 1ª perna da letra W
Colar de 74 pérolas com 17mm de diâmetro
R/ ANNO /BRASIL com losângo / 1645 e ponto acima da palavra ANNO
Colar de 53 pérolas com 17 mm de diâmetro
Dimensões: 19 X 18,5 mm
Espessura: 1,9 mm
Peso: 7,6 g
Identificação pela tabela do Dr. Gastão Dessart:   2º Cunho de Anverso  e 1º Cunho de Reverso

Anverso

Reverso

EMISSÃO DE 1645/1646 – Quantidade de Cunhos Conhecidos

Denominação
Emissão de
1645
Emissão de
1646
Cunho Anverso
Cunho Reverso
Cunho Anverso
Cunho Reverso
III Florins
1
2
2
2
VI Florins
1
1
4
4
XII Florins
2
1
4
2

III Florins 1645
Característica do Cunho
         Círculo  
Pérolas
Diâmetro
Nº de pérolas
1º Cunho Anverso
12,7
50
1º Cunho Reverso Losango após a palavra BRASIL
12,8
52
2º Cunho Reverso Losango após a palavra BRASIL
12,8
54

III Florins 1646
Característica do Cunho
Círculo   de Pérolas
Diâmetro
Nº de pérolas
1º Cunho Anverso
Ponto após o valor
Aproveitado?12,5
50
2º Cunho Anverso Pontos após o valor 13,0 50
3º Cunho Anverso 14,0 43
1º Cunho Reverso Losango após a palavra BRASIL
Aproveitado?12,5
52
2º Cunho Reverso Pontos após a palavra BRASIL 13,0 52
3º Cunho Reverso
14,5
49

VI Florins 1645 Característica do Cunho          Círculo   de Pérolas
Diâmetro
Nº de pérolas
1º Cunho Anverso Sem ponto ou sinais 15,5 63
1º Cunho Reverso Losango após a palavra BRASIL 15,5 68

VI Florins 1646 Característica do Cunho          Círculo   dePérolas
Diâmetro Nº de pérolas
1º Cunho Anverso Ponto após o valor 15,5 50
2º Cunho Anverso 17,5 52
3º Cunho Anverso 15,5 58
4º Cunho Anverso 15,5 54
1º Cunho Reverso Losango após a palavra BRASIL 15,5 43
2º Cunho Reverso Um ponto após a palavra BRASIL 17,5 39
3º Cunho Reverso Não possui pontos ou sinais 15,5 64
4º Cunho Reverso - 15,5 52

XII Florins 1645 Característica do Cunho          Círculo de Pérolas
Diâmetro Nº de pérolas
1º Cunho Anverso 17,0 72
2º Cunho Anverso Ponto na perna da letra W 17,0 74
1º Cunho Reverso Losango após a palavra BRASIL 17,0 53

XII Florins 1646 Característica do Cunho         Círculo   dePérolas
Diâmetro Nº de pérolas
1º Cunho Anverso Ponto após o valor 16,5 69
2º Cunho Anverso Pontos após o valor 20 57
3º Cunho Anverso Dois pontos após o valor 16.5 69
4º Cunho Anverso
1º Cunho Reverso Losango após a palavra BRASIL 17 61
2º Cunho Reverso Pontos após a palavra BRASIL 20 59

                               III Florins de 1645
Anverso: 50 Pérolas - mesmo cunho do anverso
Reverso: 54 Pérolas - Losango ao lado do L de BRASIL - nº5 ligado à perola
nº1 da data normal - mesmo cunho do reverso

                                              Florins de 1646
Anverso: 50 Pérolas - Ponto após o valor - mesmo cunho do anverso
Reverso: 50 Pérolas - Ponto ao lado do L de BRASIL - B ligado à pérola
nº1 da data normal - Data afastada - mesmo cunho do reverso
Anverso: 47 Pérolas - mesmo cunho do anverso
Reverso: 43 Pérolas - Data - 4 ligado ao 6 - B ligado à pérola
nº1 da data normal - Data afastada - mesmo cunho do reverso

VI Florins de 1645
Anverso: 63 Pérolas - mesmo cunho do anverso
Reverso: 69 Pérolas - Losango ao lado do L de BRASIL - nº1 da data normal
Data afastada - mesmo cunho do reverso

VI Florins de 1646
Anverso: 50 Pérolas - Ponto após o valor - mesmo cunho do anverso
Reverso: 43 Pérolas - Losango ao lado do L de BRASIL - B ligado à pérola
nº1 da data curvo - Data afastada - ANN unidos - mesmo cunho do reverso
Anverso: 49 Pérolas - mesmo cunho do anverso?
Reverso: 53 Pérolas - nº1 da data normal - AN unidos
Anverso: ? Pérolas - emendado de 1645??? mesmo cunho do anverso?
Reverso: 69 Pérolas - Ponto ao lado do BRASIL - B ligado à pérola - nº1 da data normal -
A de Brasil com acento - mesmo cunho do reverso?

XII Florins de 1645
Anverso: 74 Pérolas - mesmo cunho do anverso
Reverso: 53 Pérolas - Losango ao lado do L de BRASIL - Ponto acima do 2º N
nº1 da data normal - mesmo cunho do reverso

XII Florins de 1646
Anverso: 69 Pérolas - Ponto após o valor - mesmo cunho do anverso
Reverso: 60 Pérolas - Losango ao lado do L de BRASIL - Data afastada
nº1 da data normal - AN unidos - mesmo cunho do reverso
Anverso: 69 Pérolas - Ponto após o valor - mesmo cunho do anverso
Reverso: 64 Pérolas - Losango ao lado do L de BRASIL - Data afastada
nº1 da data normal - AN unidos
Anverso: 69 Pérolas - Ponto após o valor - mesmo cunho do anverso
Reverso: ? Pérolas - Losango ao lado do L de BRASIL - Data afastada
nº1 da data normal - AN unidos
Anverso: 69 Pérolas - Ponto após o valor - mesmo cunho do anverso
Reverso: 59 Pérolas - Ponto ao lado do L de BRASIL - Ponto após ANNO
nº1 da data normal - ANN unidos

BIBLIOGRAFIA
COIMBRA, Álvaro da Veiga. Noções de Numismática
DESSART, Gastão N.T.T. Ensaio Histórico e Descritivo das Primeiras Moedas Cunhadas no Brasil - 1960
FERREIRA, Lupércio Gonçalves. As Primeiras Moedas do Brasil - 1987
GONÇALVES, Cleber Batista. Casa da Moeda do Brasil - 2. Ed. rev., ampl. e atualizada - RJ - Casa da moeda do Brasil - 1989
GONÇALVES, Cleber Batista. Casa da Moeda do Brasil - 290 anos de História
HERKENHOFF, Paulo. Brazil and the Dutch - 1630-1654 - 1999
LOON, Gerard Van. Beschryving der Nederladsche Historipenningen - 1726
MARSON, Isabel. Moedas e História no Brasil - 1500-1889 - 1989
MEILI, Julius. O Meio Circulante no Brasil - As Moedas da Colonia do Brazil - 1897
MEILI, Julius. O Meio Circulante no Brasil - As Moedas do Brazil Independente - 1905
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Os Ducados Brasileiros de 1645 e 1646 Separata do Vol.48 da Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico  Pernambucano - 1976
PROBER, Kurt. Catálogo das Moedas Brasileiras - 1982
PROBER, Kurt. Moedas Falsas e Falsificadas do Brasil - 1946
RUSSO, Arnaldo. Livro das Moedas do Brasil- 8ª edição - 1998
CHOOLTEN, C & SCHULMAN, Jacques. The Coins of the Dutch Overseas Territories - 1953
SCHULMAN, Jacques N.V. Coins, Medals and Decorations of Brasil from an Imperial Estate, Auction Sale 24/11/1970
VARNHAGEN, Francisco Adolfo, História das Lutas com os Holandeses no Brasil - 1871 (1945)
 
 
fhttp://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/downloads/educacaoemlinha14.pdf

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“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

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